Crônica de nossos superpoderes

Poder sem Limites (Chronicle, Inglaterra/Estados Unidos, 2012) surgiu atraindo a atenção de crítica e público no início desse ano. Custou…


Poder sem Limites (Chronicle, Inglaterra/Estados Unidos, 2012) surgiu atraindo a atenção de crítica e público no início desse ano. Custou cerca de 12 milhões de dólares, arrecadou quase o dobro disso já em seu primeiro dia de estreia nos Estados Unidos e atualmente já tem acumulado dez vezes o valor de seu orçamento. O trunfo do filme: pegar uma estratégia narrativa já praticamente esgotada e renová-la junto a uma abordagem bastante verossímil de jovens que adquirem superpoderes (na verdade, telecinesia). A estratégia é a do falso-documentário, em que a estrutura se forma a partir de filmagens de pessoas que fazem parte do contexto da história, e nunca a partir da visão externa de um cineasta. O modelo surgiu estrondoso com A Bruxa de Blair, em 1999, e foi copiado à exaustão e nem sempre com inteligência em muitos outros projetos. Aqui diretor e roteirista, ambos jovens de seus quase trinta anos, entendem as pessoas que retratam e a quem direcionam seu filme. Três garotos encontram numa caverna uma espécie de estrutura alienígena que, após contato, confere-lhes a capacidade de mover objetos a distância. Um desses garotos, Andrew, está com a mãe terminalmente doente em casa, e o pai, alcoólatra, vê em qualquer situação uma chance de exceder-se ao filho — que também é introvertido e não se socializa tão fácil com os colegas. Possivelmente disso é que surge a ideia dele de começar a filmar seu dia-a-dia, e então se tem aí a desculpa para boa parte do que se vê na tela. Que começa com os jovens aprendendo a lidar com os poderes recém-adquiridos — nada de heroísmo ou senso de responsabilidade aqui: eles jogam objetos uns contra os outros e veem quem é capaz de detê-los antes do choque; assustam crianças no supermercado fazendo produtos flutuarem; movem carros no estacionamento; e movimentam a câmera que os acompanha como desejam (uma das melhores sacadas do filme). Andrew acaba sendo o que melhor desenvolve essas capacidades telecinéticas, e em algum momento verá nesse poder uma oportunidade de liberar seus ressentimentos. E a história, do tom casual e de descoberta, mas que já dava pistas sobre para onde verteria, vai se transformando em algo mais sombrio. A produção dispensa rebuscamentos de fotografia, o que apenas fortalece os efeitos visuais, incrivelmente eficientes para um orçamento tão modesto. Nisso, e no que quase subverte em conceitos narrativos e estéticos, Poder sem Limites é dos lançamentos recentes mais interessantes.


A Dama de Ferro (The Iron Lady, Inglaterra/França, 2011) é a história de uma mulher senil que tem de lidar com os efeitos de sua deterioração mental. Que ela seja Margaret Thatcher é apenas um detalhe no filme de Phyllida Lloyd, diretora de Mamma Mia!, que novamente traz Meryl Streep como protagonista. Atriz que dispensa elogios, Streep é quem consegue sustentar algum interesse pelo que transcorre em cena, já que à narrativa falta vigor e coerência. Pedaços da trajetória da única mulher a ocupar o cargo político máximo do Reino Unido aparecem vez por outra, mas não se percebe exatamente algum rigor lógico na escolha desses momentos, nem na sua disposição. Lloyd, se às vezes não se furta de exibir com cenas de arquivo a comoção social que as ações de Thatcher provocavam, por outro parece querer esquivar no drama da idosa demente considerações mais importantes que cercaram esse período. Se nesse âmbito mais íntimo, porém, a história apresentasse algum desenvolvimento, até seria elogiável que se delineasse alguma humanização verossímil. Mas tampouco aí o filme se mostra menos que medíocre.



A Mulher de Preto (The Woman in Black, Inglaterra/Canadá/Suécia, 2012) é o segundo filme do cineasta inglês James Watkins. O primeiro é o pouco conhecido Sem Saída (Eden Lake, no original), de 2008, um terror excepcional que sabe manipular a tensão como pouquíssimas obras conseguem. Em A Mulher de Preto, Watkins retorna ao gênero, e, embora o resultado não seja tão contundente quanto o de sua estreia, há uma boa quantidade de momentos muito bem concebidos e encenados, alguns quase brilhantes. Daniel Radcliffe, em seu primeiro papel após o fim da série Harry Potter, é um advogado mandado para uma cidadezinha afastada a fim de arranjar os papéis que possibilitem a venda de uma velha mansão agora que sua dona morreu. Chega mal visto pelos habitantes, e logo começa a ter visões de uma mulher vestida de preto nos arredores da casa que precisa investigar. Crianças começam a morrer — numa cidade em que aparentemente eventos como esse já aconteceram antes. Como protagonista de um suspense, então, o jovem advogado terá de decifrar qual o mistério que rodeia esse povo. É fácil ver aqui traços das adaptações cinematográficas de Drácula, especialmente as primeiras, e reconhecer que o filme também usa das sutilezas que gradativamente construíam o suspense naquelas histórias. Contribui para isso, impossível não notar, o esmero da direção de arte e da fotografia, criando ambientes que evocam e envolvem. E Watkins, em vários momentos, se permite fugir de clichês, e usa o inesperado contra as expectativas de um público já acostumado a esperar sustos com estrondos da trilha sonora ou em momentos repentinos de vulnerabilidade dos personagens. Quando consegue se conter às convenções, A Mulher de Preto faz arrepiar. Mas, infelizmente, não é sempre. Após um clímax magnífico e corajoso, o filme se decide por uma sequência final coerente, mas dispensável e dissipadora.
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