'O Cemitério', de Stephen King

O solo do coração de um homem é mais empedernido, Louis - murmurou o moribundo. - Um homem planta o que pode... E cuida do que plantou.…

O solo do coração de um homem é mais empedernido, Louis - murmurou o moribundo. - Um homem planta o que pode... E cuida do que plantou. (p. 78)
Como você lida com a morte? Até onde você estaria disposto ir para trazes uma pessoa amada de volta? Em 'O Cemitério', mais um livro de Stephen King pela Suma de Letras, acompanhamos como uma forte e dolorosa perda pode transformar uma pessoa, levando-a a insanidade em um curto espaço de tempo.

Não à toa que o próprio Stephen King teve receio em publicar este livro, considerando-o extremamente aterrorizante, ao ponto de não se sentir confortável em comentar a obra até dos dias atuais.
- Sim - Jud concordou -, às vezes acontece. Talvez ela aprenda alguma coisa sobre o que a morte realmente é: o ponto em que a dor cessa e as boas memórias começam. Não é o fim da vida, mas o fim da dor. (p. 173)
Louis Creed, um jovem médico, resolve assumir o cargo de médico-chefe na enfermaria da Universidade do Maine. Dessa forma muda-se com a família, a esposa Rachel e os dois filhos: a esperta Eileen e o pequeno Gage. Junto na mudança traz Winston Churchill, ou apenas Church, o gato de estimação da filha. Aos poucos os Creed vão descobrindo os perigos e mistérios que rondam a pacata Ludlow.

Já no primeiro dia, Louis e sua família conhecem seus novos vizinhos, Norma e Judson Crandall, com o qual Louis rapidamente cria uma forte amizade. Mas apesar do estilo colonial e ser rodeada pela natureza, sua nova casa é localizada as margens da movimentada e perigosa Rodovia 15, uma entrada que liga Bangor a Buksport, na qual carros e caminhões passam a todo o momento em alta velocidade, muitas vezes matando os animais das redondezas.
Provavelmente é um erro acreditar que possa haver um limite para o horror que a mente humana pode suportar. Parece, ao contrário, que certos mecanismos exponenciais começam a prevalecer à medida que o infortúnio se torna mais profundo. Por menos que se goste de admitir, a experiência humana tende, sob muitos aspectos, a corroborar a ideia de que quando o pesadelo se torna suficientemente terrível, o horror produz mais horror, um mal que acontece por acaso engendra outro, freqüentemente menos ocasional, até que finalmente a desgraça parece tomar conta de tudo. E a mais aterradora de todas as questões talvez seja simplesmente querer saber quanto horror a mente humana pode experimentar conservando uma atenta, viva, implacável sanidade. Quase nem é preciso dizer que esses ventos têm seu próprio absurdo tipo Rube Goldberg. Em determinado ponto, tudo passa a se tornar um tanto engraçado. Pode ser esse o ponto em que a sanidade começa a resgatar a si mesma ou a ceder, sucumbir; o ponto em que o senso de humor de uma pessoa começa a fazer valer seus direitos. (p. 239)
Além da estrada outro detalhe chama a atenção da família Creed: há uma trilha nos bosques ao fundo da casa que leva ao "simitério", onde crianças locais enterram seus bichos de estimação, local que Jud tratou de apresentar aos novos vizinhos. Porém, mais adiante ao "simitério de bichos", forças sombrias habitam antigas terras dos índios Micmac e transformarão para sempre a vida da família Creed. 

As coisas começam a mudar quando um paciente morre nos braços de Louis, em seu primeiro dia no novo trabalho. Após esse acontecimento, Victor Pascow aparece em seus sonhos advertindo o jovem médico a nunca ultrapassar os limites do cemitério. Ao acordar Louis não sabe ao certo se foi um sonho ou se andou pelo bosque acompanhado pelo fantasma de seu primeiro paciente.
Não ultrapasse este limite, doutor, por mais que tenha vontade. A barreira não foi feita para ser violada. (p. 132)
Com a morte de Church e vendo a aflição de Louis por ter que contar para sua filha o ocorrido, Jud resolve fazer alguma coisa pra ajudar o amigo. É a partir desse momento que os mistérios começam a envolver e perturbar a família Creed. Acreditando estar levando Church para ser enterrado no "simitério de bichos", Louis sem saber que o destino final seria outro, segue Jud sem fazer questionamentos.

Esquecendo-se do sonho e intrigado pelas histórias contadas pelo velho amigo, continua seguindo Jud pelas terras Micmacs, terras essas que escondem um segredo: quem lá era enterrado acabava voltando a viver. Church então volta à vida, mas diferente. Agora carrega consigo um ar misterioso e um cheiro fétido. A partir dai a vida de Louis e sua família é afetada de várias maneiras e com uma desgraça familiar, seus destinos e crenças mudam completamente. O que parecia magia revela-se uma maldição.
Não é bom ser curioso a respeito de certas coisas - retrucou Jud Crandall. (p. 175)
'O Cemitério' vai além de um livro de terror. Trata de perdas e da mente humana, o modo como lidamos com a morte, com a dor e a culpa. Vemos o desespero crescendo ao longo das páginas. A dor é palpável. Intriga-nos com seus acontecimentos. Faz-nos refletir sobre a vida, a morte e como reagimos diante dela. Acredito que o terror contido na história fica por conta da situação em que Louis se coloca.

É praticamente impossível não pensar: e se fosse comigo? Se algum ente querido morresse e tivesse a possibilidade de ressuscitá-lo, que atitude eu tomaria? Correria o risco mesmo sabendo que não voltaria a ser a mesma pessoa? Perder alguém que se ama pode ser irracional e a perda vivida pela família Creed é uma das mais tristes e cruéis que já li.
O que eu acho é que as pessoas deviam questionar esses sentimentos de duvida em vez de questionar o que o coração mandou que elas fizessem. (p. 146)
Como de costume mestre King praticamente carrega o leitor no colo através da sua escrita. Nos apresenta fatos e personagens nos momentos certos. Criamos afeição por eles, nos preocupamos com seus destinos, sentimos suas dores e torcemos para que no final tudo se resolva da melhor forma.

Os personagens são bem construídos e a história, obviamente, bem escrita. Consegue ser ao mesmo tempo agonizante, aterrorizante e maravilhoso. A verdade é que há muito tempo um livro no King não me ganhava por completo. Aqui King soube dosar perfeitamente o sobrenatural, extraindo o terror da mente humana. É um livro denso, intenso e perturbador, mas que vale cada uma das 424 páginas.
Você arranjou a coisa, ela é sua, e mais cedo ou mais tarde acaba voltando às suas mãos, Louis Creed pensou. (p. 423)
Postar um comentáriofacebookdisqus

0/0 Comentários/Comentários

A+
A