Betty e a ultrapassada narrativa do "feio"

Publicado originalmente no Diário de Santa Maria. Há algumas semanas recebi a notificação que a novela "Betty em Nova York"…


Há algumas semanas recebi a notificação que a novela "Betty em Nova York" estava disponível na Netflix. Ao perceber que ela é mais uma versão da colombiana "Betty, A Feia", lançada em 1999 e exibida no Brasil pela RedeTV! (em 2002, 2004 e 2013), surgiu logo o interesse. Na verdade, descobri que não era interesse, era só uma memória afetiva.

"Betty, A Feia" fez parte da minha vida no momento da mudança da infância para a adolescência, em que inúmeros momentos tudo vira um apontamento por quem é mais bonito, como se fosse um sinônimo de sucesso futuro. Dentro da narrativa de Betty, eu me enquadrava no "pelotão dos feios", que não percebia seu potencial simplesmente por não estar conectado a um grupo específico de pessoas teoricamente "bonitas".

Em 2006 me vi conectado novamente a narrativa, quando "Ugly Betty", versão norte-americana da colombiana, começou a ser exibida. Porém, essa vinha com uma narrativa um pouco diferente, em que muitas vezes Betty não se sentia feia ou deslocada. Ela só era vista como estranha, por honrar suas origens latinas nos costumes e roupas, manter atitudes mais positivas e despreocupadas no mundo da tumultuada revista 'Mode'. E claro, não posso esquecer do principal: ela não tinha medo de enfrentar as pessoas e aceitar os desafios.

"Betty em Nova York", versão produzida pela Telemundo nos Estados Unidos, chegou em 2019 com praticamente o mesmo roteiro de 20 anos atrás, onde apresenta uma personagem extremamente qualificada, que busca uma oportunidade de trabalho, mas se vê presa a opinião dos outros. O pior de tudo, é ver que ela fica totalmente sem reação ao ser chamada de feia nos primeiros episódios, por uma possível colega de trabalho e em frente a seus futuros chefes. Porém, a partir do 6º episódio, podemos ver algumas mudanças em seu comportamento e aproximações de uma nova visão para a personagem.

Como disse anteriormente, a memória afetiva pela personagem da Betty não foi embora e ainda tenho como minha versão preferida a interpretada por America Ferrera, em 2006. É bom relembrar, assistindo um conteúdo de entretenimento, como certos assuntos ainda são atuais, mesmo que muitas vezes tenhamos esquecido deles. Assim, noto que continua sendo difícil de assistir, principalmente por perceber que, mesmo depois de anos, esses julgamentos não acabaram.

Ainda julgamos as pessoas pela aparência e tentamos, de alguma forma, encaixar todos dentro de um possível padrão. Um padrão que não existe. E quando falo isso não me tiro desse círculo, afinal todos estamos em processo de perceber nossos erros e melhorar o possível. É um tanto quanto inadequado que a beleza ainda seja vista como um sinônimo de "final feliz" ou "felizes para sempre".

Apesar de não termos mais nenhuma previsão de outra versão de Betty para o futuro, uma nova versão da argentina "Patinho Feio" está chegando ao Brasil em 2020 pelo SBT. Lá em 2007, quando lançada, foi extremamente criticada por reforçar ao público adolescente o estereótipo da transformação de vida quando a personagem fica "mais bonita". Resta saber como isso vai chegar nas nossas telas e o público. Torço muito que a narrativa do "feio" seja revista, ainda mais em 2020.
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