‘A Guerra que Salvou a Minha Vida’, de Kimberly Brubaker Bradley

Então eu fiz o que deveria ter feito desde o início. Fui aprender a andar. Se eu conseguisse andar, talvez a Mãe não sentisse tanta ver…
Então eu fiz o que deveria ter feito desde o início. Fui aprender a andar.
Se eu conseguisse andar, talvez a Mãe não sentisse tanta vergonha de mim. Talvez pudéssemos disfarçar o meu pé aleijado. Talvez eu pudesse sair de casa e ficar com o meu irmão, ou pelo menos ir onde ele estivesse, caso precisasse de mim.
Foi isso o que aconteceu, embora não como pensei que seria. No fim das contas, foi a combinação das duas guerras - o fim da minha pequena guerra contra o Jamie e o início da grande guerra, a do Hitler - que me libertou. (p. 13)

Dificilmente eu não consigo começar uma resenha, mas esse livro me deixou totalmente sem palavras. Apesar de ser um livro lindo, tanto a história quanto a parte gráfica, daqueles pra levar no coração, já nas primeiras páginas o leitor acaba entendendo duas coisas: 1) a história da Ada é triste e 2) você vai odiar a mãe dela.

Em 'A Guerra que Salvou a Minha Vida', da americana Kimberly Brubaker Bradley, lançado no Brasil pela Darkside Books, foi vencedor do Newbery Honor Award, primeiro lugar na lista do The New York Times e se tornou leitura obrigatória em diversas escolas nos Estados Unidos. Fácil entender o por quê.

Eu posso ficar com gente ruim". Não seria muito diferente de morar aqui."
Vi o tapa vindo, mas não fui ligeira o bastante para me abaixar.
"Deixa de insolência", ela disse. Sua boca se contorceu no sorriso que me apertava as entranhas. "Você não pode ir embora. Nunca vai poder. Está presa aqui, bem aqui nesta casa, com ou sem bombas. (p. 19)

Ada tem dez anos (ou onze, ou doze), mas não tem certeza. Isso foi o que a Mãe lhe disse. Por ter nascido com o pé torto, Ada nunca sai de casa, tudo o que conhece foi através da janela, não frequenta a escola, tem fome constante, leva surras por qualquer motivo e é trancada no armário da pia como forma de castigo. É ao saber pelo irmão caçula Jamie, que goza de toda liberdade do mundo, que as crianças de Londres serão evacuadas para o interior em razão da iminente guerra, Ada decide aprender a andar e deixar no passado toda a humilhação que a Mãe lhe causou, fugindo escondida com Jamie.

Falei: "Então a senhora não precisa mais ficar com a gente. Não precisa pagar nada. A gente vai embora amanhã de manhã. Pra sempre."
A Mãe se levantou. Pegou a bolsa e o chapéu. Virou-se para olhar pra mim. "Vou poder me livrar de vocês sem ter que pagar nada?"
Eu assenti.
Ela abriu um sorriso. O sorriso-de-enfiar-a-Ada-no-armário. "E isso é garantido?"
Por toda a vida eu me lembraria dessas palavras.
"Sim. (p. 225)

É ao decidir enfrentar sua guerra pessoal que Ada e seu irmão encontram Susan, que mesmo acreditando não estar preparada, aceita (contrariada) cuidar das duas crianças. Acompanhamos a construção do relacionamento dos três, baseado em carinho, paciência, liberdade, confiança e autoestima, principalmente com Ada.

Acompanhamos como tudo isso ajuda Ada a crescer, se desenvolver, amadurecer e enxergar uma vida melhor, que as coisas podem ser boas para si mesma e para o irmão. Compreendemos que ao mesmo tempo em que Susan muda a vida das duas crianças, elas também mudam a sua.

Se a sua mãe realmente odeia você", continuou a srta. Smith, "ela está muito errada em sentir isso. (p. 101)

Mesmo tratando de maus-tratos na infância, tento com cenário a Segunda Guerra Mundial que afetou a vida de milhões de inocentes, Kimberly Brubaker Bradley escreveu uma belíssima história de superação, amor e confiança. Bem escrita e com capítulos bem amarrados e curtos, a leitura flui super rápido, tanto que pela primeira vez terminei um livro publicado pela Darkside Books em menos de uma semana.

É um livro que utiliza uma guerra para tratar outra guerra, aquela enfrentada por Ada dentro de casa, contra a Mãe, a indiferença, maus-tratos e seus medos. É triste acompanhar como Ada é privada de coisas triviais, desconhecendo o mundo, coisas simples como pera, pijama, grama. É uma história linda e triste ao mesmo tempo, mas o final é um dos mais lindos que eu já li.

No final, 330 mil soldados ingleses foram salvos. Winston Churchill considerou aquela "a hora mais sublime" da Inglaterra. Já de volta pra casa, a salvo, com o Jamie, foi difícil ouvi-lo no rádio e pensar que houvera qualquer coisa de “sublime” nos navios abarrotados de homens à beira do desespero e da morte. Ao mesmo tempo, contudo, eu me sentia diferente. Dali em diante, eu me dividiria em "antes de Dunquerque" e "depois de Dunquerque". A Ada "depois de Dunquerque" era mais forte e tinha menos medo. Foi horrível, mas eu não desisti. Eu persisti. E venci a batalha. (p. 190)

Provavelmente 'A Guerra que Salvou a Minha Vida' salve outras vidas além da Ada, pois serve como lembrete para o valor das pequenas coisas, dos pequenos momentos, o valor daquilo que temos. Faz enxergar a vida com outros olhos, procurar conhecer as pessoas, suas atitudes e razões antes de julgar, principalmente julgar alguém pela aparência. Faz rever vários conceitos e atitudes. Faz rever a vida.

Dei a mão a ela. Um novo e desconhecido sentimento me preencheu. Parecia o mar, a luz do sol, os cavalos. Parecia amor. Vasculhei minhas ideias e encontrei o nome. Felicidade. (p. 243)

Compre ‘A Guerra que Salvou a Minha Vida’
Postar um comentáriofacebookdisqus

0/0 Comentários/Comentários

A+
A