Beau e o retrato do mundo interno de alguém traumatizado

A Psicóloga Bruna Lima comenta o lançamentos da A24, 'Beau tem medo'

Ari Aster, diretor de filmes como 'Hereditário' e 'Midsommar', parece ter uma inclinação para abordar temas psicológicos em suas produções cinematográficas. Seu novo filme, 'Beau tem medo' (Beau Is Afraid), não é diferente. A história é centrada em um homem que vive o trauma de uma infância complexa ao lado de sua poderosa mãe. O filme parece simbolizar o que se passa nas entranhas de alguém que tem uma relação patológica com a mãe.

A forma como Aster aborda a questão do enlouquecimento do personagem principal é muito semelhante às teorias e conceitos da psicanálise, especialmente de Sigmund Freud. A ideia de que as nossas relações com figuras parentais podem afetar a psique do indivíduo, influenciando sua autonomia e até mesmo a forma como ele enxerga o mundo, é muito presente no filme.

Além disso, a forma como o diretor constrói a narrativa, com muitas camadas de significado e simbolismo, também é uma característica da psicanálise. O uso de imagens e situações simbólicas pode ajudar o espectador a compreender os conflitos internos do personagem de uma forma mais profunda e visceral.
 

Uma mãe viúva negra


A mãe de de Beau, Mona, era retratada por ele sempre como uma grande mulher que lhe causava vários sentimentos conflituosos: culpa, amor e ódio. O filme tem uma linearidade diferente e confusa, o que interpreto como se fossem pedaços de memórias e fantasias de Beau que teve seu mundo interno invadido e depredado. E como Aster nos sugere e Freud endossa, a mãe foi a grande causadora desta bagunça.

Mona é uma mulher determinada a ocupar as entranhas de Beau, lhe invadindo lugares internos que deveriam ser privados como o seu interesse por mulheres em sua pré-adolescência e desejos sexuais próprios da idade. Mona parece querer ser a única mulher na vida de Beau e se alimenta de seus sentimentos e emoções de uma maneira incestuosa.

Já no começo do filme vemos à referência à aranha quando aviso de dedetização nas portas dos apartamentos. de acordo com a Super Interessante, após a cópula, a aranha viúva negra se alimenta do macho, assim como a história que mona contava à seu filho quando era criança. Dizia ela que seu pai tinha morrido no ato de sua concepção pois tinha uma condição coronária desfavorável. Então, Mona, mesmo sabendo disso, escolheu ter um filho e sacrificou o marido.


Beau cresce então com o medo de morrer assim como seu pai. Para além da implantação desta fantasia mórbida em seu filho, Mona cria uma relação de muito excesso com seu filho Beau, ao que o psicólogo canadense Jordan Peterson dá o nome de "mãe devoradora".

Segundo ele, a mãe devoradora é um arquétipo feminino que representa uma figura materna excessivamente controladora e dominadora. A roupagem pode parecer superproteção mas há elementos mortíferos em suas ações. Essa figura materna pode sufocar a criança, impedindo-a de se desenvolver, tornar independente e adquirir um self genuíno e próprio.

A relação mãe e bebê é um algo extremamente complexo e acaba compondo a personalidade de seu filho mais tarde. O psicanalista e pediatra britânico Donald Winnicott fala que as falhas ambientais (e a mãe neste caso também faz parte do ambiente) se forem insuperáveis, seja pela prolongada inadequação da mãe ou pela falta de recursos que o bebê pode ter para lidar com os estímulos excessivos vindos da mãe podem até levar à possíveis psicoses.

A mãe viúva negra, devoradora, tóxica, borderline, como quiser, pode ser uma influência perniciosa na vida de um filho. Beau tem medo de sua mãe. E tudo fica mais complicado por que ele também a ama.

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