'Neuromancer', de William Gibson

Como começar a falar de “Neuromancer” ? Uma obra simplesmente FUNDAMENTAL nas prateleiras de todo amante de ficção científica? Bom, é c…

Como começar a falar de “Neuromancer”? Uma obra simplesmente FUNDAMENTAL nas prateleiras de todo amante de ficção científica? Bom, é claro que você já deve ter ouvido falar na MATRIX, certo? E você deve achar que é criação dos Irmãos Wachowski, certo? ERRADO.

William Gibson, considerado por muitos o PAI do cyberpunk, escreveu “Neuromancer”, o primeiro livro da Trilogia do Sprawl, em julho de 1983, publicado em 1984. Se o livro “1984” marcou uma geração, essa obra de Gibson, também roteirista de “Johnny Mnemonic” e de dois episódios de “Arquivo X”, marcou ainda uma nova revolução na literatura de ficção científica.

Neuromancer é o primeiro romance a ganhar a santíssima trindade dos prêmios de ficção científica: O Hugo Award, Nebula Award e o Philip K. Dick Award.

A matrix é apenas um dos elementos “em comum” com o filme mencionado acima. Porém, a obra de Gibson vai muito mais além, abordando as interações do ser humano com a máquina, em um futuro distópico e altamente marcado pela tecnologia, por vezes bem invasiva, em que Case é “contratado” para uma missão, sem saber onde está se metendo, em troca de… bem, continuar a viver.
Vamos a um breve resumo dessa obra:

Case era um requisitado cowboy do cyberespaço - um racker de primeira linha - sempre fazendo grandes negócios usando seu talento em viajar na Matrix, um mundo virtual. Mas cometeu um grave erro, o maior erro que um cowboy poderia cometer: passar a perna nos contratantes. Isso rendeu ao hacker uma terrível dor de cabeça, literalmente. Seu sistema nervoso foi comprometido devido a uma micotoxina aplicada a mando dos patrões ressentidos pelo golpe. Case tornou-se um inválido, nunca mais poderia viajar pela Matrix.

Sua vida limitou-se às drogas e ao mundo sei lei de Chiba City, o receptáculo de toda a atividade criminosa, desde roubo de dados à pesquisas genéticas ilegais. Era esse o motivo de Case estar ali, buscar uma cura com os especialistas, buscar uma forma de restaurar seu cérebro e poder, enfim, viajar pelo cyberespaço novamente.

Mas a vida de Case deu outra guinada. Sua vida ainda tinha as mesmas promessas miseráveis de um hacker encostado, quando surgiu Molly, uma samurai das ruas - dotada de implantes oculares e bisturis retráteis debaixo da unha - em seu caminho, alegando que precisava levá-lo até Armitage, um ex-militar com porte assustadoramente atlético. O homem misterioso ofereceu a cura do cowboy em troca de serviços especiais, e a ideia de viajar novamente pela Matrix deu ao Case esperança, ainda que não fosse essa a "palavra-tema" na decadente sociedade futurista.

Sem ter ideia exata de onde estavam se metendo, Case e Molly formam uma dupla para cumprir as ordens de Armitage e, nas horas vagas, descobrir para quem o patrão trabalha. Uma complexa rede de inimigos se forma na frente deles, e aliados cada vez mais duvidosos são recrutados por Armitage. Especialmente Riviera, um sujeito capaz de criar hologramas a partir da sua simples vontade.

Ao longo da trama, a rede se torna mais clara, mas ainda complexa. Agora estavam lidando com as IA's (Inteligências Artificiais), personalidades virtuais que comandavam grandes operações. Case, sem ter completa certeza quem seja, de fato, seu inimigo, começou a buscar respostas em todos os lugares, e Molly era a única pessoa confiável em todo o mundo.

Nesse conflito Homem versus IA's, William Gibson consegue criar uma poderosa história que envolve um mundo decadente e noir, uma série de reflexões sobre a sociedade e os passos que tomam a humanidade, além de uma trama astuta capaz de prender sua mente

Desde a primeira página até o desfecho somos bombardeados com reviravoltas engenhosas, questionamentos por parte dos personagens e flashbacks que lhe fazem se perguntar ao final de cada capítulo qual o rumo terá o próximo. As cenas eletrizantes de ação contribuem para isso, criando uma camada de tensão sobre cada ato, e os diálogos, construídos de forma inteligente, deixando muitas vezes peças soltas do quebra-cabeça soltas em meio a eles. Isso pode desorientar o leitor, fazê-lo se perder em meio ao que Case está passando, mas é justamente nesse ponto que se encontra o charme de todo o livro: a busca por respostas e entendimento lhe convida a virar as páginas rapidamente e cada vez mais.

Para leitores que não tenham certa familiaridade com o gênero da ficção científica o livro pode causar algum estranhamento quanto a postura dos protagonistas ao longo da história. Como é comum dentro do Cyberpunk os personagens não tem tendências heróicas como vistas em outros romances, mas sim uma busca pela auto-preservação e um niilismo com relação aos poderes que regem a sociedade. E em Neuromancer isso fica bem claro conforme o desfecho se aproxima e Case tem em mãos uma decisão importante cujas conseqüências ele desconhece.

Quanto à dificuldade de leitura, eu diria que 'Neuromancer' é um livro que só deve ser lido quando você quiser realmente lê-lo. E agora explico o motivo: dadas as peculiaridades da narrativa e a concepção de mundo proposto pelo autor é fácil se perder dentro destes em durante um desvio de atenção, o que irá tornar a compreensão final da obra um problema. Tendo tempo, porém, se mostrará um universo surpreendente e fascinante que é somente a porta de entrada para algo ainda maior.

'Neuromancer' está disponível em duas versões pela Editora Aleph: comum e edição especial de 30 anos.
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