Divertida Mente | Crítica

Desde que revolucionou o Cinema em 1995 com Toy Story — primeiro longa-metragem de animação todo realizado em computação gráfica —, a P…

Desde que revolucionou o Cinema em 1995 com Toy Story — primeiro longa-metragem de animação todo realizado em computação gráfica —, a Pixar trilhou uma posição de destaque no ramo ao trazer produções que demonstravam um cuidado notável em termos narrativos e visuais.

Nos últimos anos, porém, ao se dedicar especialmente a continuações (desde 2010 foram três), a sensação era de que o estúdio estava perdendo seu espírito de originalidade e boas histórias — embora nunca tenha lançado realmente um grande constrangimento, em que pese a dura recepção de Carros 2.

Com o novo Divertida Mente (Inside Out, Estados Unidos, 2015), seu décimo quinto filme, a Pixar sai dessa zona de conforto e volta a demonstrar todo seu brilhantismo, talvez alcançando o ponto mais alto dentro de uma filmografia de várias obras-primas.

A ideia é das mais originais: Riley, uma garota de onze anos que joga hockey e está muito bem estabelecida com família e amigos em Minessota, de repente se vê numa conturbada mudança para São Francisco. Na sua mente, acompanham-se as emoções que reagem a todos esses estímulos externos — Alegria, que aparece quando Riley dá seu primeiro sorriso e que passa a comandar as demais, é logo seguida por Tristeza, Medo, Raiva e Nojinho. O novo ambiente catalisará uma jornada de amadurecimento emocional, que será refletido dentro e fora da cabeça da menina.

Temas assim, que envolvem um tanto de conceitos complexos e mesmo abstratos, poderiam facilmente ser descartados de um filme com tamanho apelo. Mas aí entra a engenhosidade dos animadores, que encontram soluções visuais inspiradas e encantadoras, como a representação das memórias em globos com a cor da emoção associada à sua criação; as ilhas de personalidade que surgem a partir de memórias-base (aquelas ligadas aos momentos mais importantes); o centro de produção dos sonhos que emula um estúdio de cinema; a mesa de comando que se colore conforme a emoção que a está usando e que evolui naturalmente conforme Riley vai crescendo (de apenas um grande botão quando bebê a um painel cheio de mecanismos quando ela está maior).

E as emoções em si, moldadas a partir de formas simples e cores significativas (Alegria é uma estrela amarela e Tristeza é uma lágrima azul, por exemplo), que são representadas como aglomerados de pequenas partículas de energia, em mais um detalhe de puro deleite visual. São tantas alegorias, praticamente um universo inteiro criado dentro da cabeça de uma garotinha, que talvez só uma animação mesmo pudesse viabilizar. Que acabe simplificando um tanto de mecanismos biológicos é apenas uma necessidade, e igualmente difícil imaginar que pudesse ser concebido de maneira mais caprichada e criativa.

O grande cerne de Divertida Mente, que vai sendo revelado no terço final de seus enxutos 94 minutos, será sobre a importância da Tristeza. Inicialmente relegada por Alegria, que almeja apenas momentos felizes a Riley, Tristeza aos poucos vai se mostrando essencial em compreender e permitir a catarse em situações ruins. Quando o conflito dos personagens se resolve e se tem aquela que é a cena mais poderosa da projeção, o filme entrega sua tese maior: de que só se aprende e se amadurece ao se deixar experimentar e extravasar os momentos tristes.

É um ensinamento inesperado e revelador, daqueles raramente vistos, e que o diretor Pete Docter (justamente o mais sentimental dos cineastas da Pixar, responsável por Monstros S.A. e Up: Altas Aventuras) conduz com desvelo. Equilibrando de forma impecável humor e drama, o lúdico e o reflexivo, e tratando de emoções sem nunca soar piegas, Divertida Mente é para ser novamente e mais amplamente descoberto a cada revisão, por crianças e adultos. Nasce um novo clássico.



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