Terra de ninguém

Xingu (Brasil, 2012) acompanha a história dos irmãos Villas-Bôas, que na década de 40 largaram a vida na cidade para se embrenhar no m…
Xingu (Brasil, 2012) acompanha a história dos irmãos Villas-Bôas, que na década de 40 largaram a vida na cidade para se embrenhar no mato em expedições de exploração territorial instituídas no governo de Getúlio Vargas. Acabaram ocupando a linha de frente e logo se estabeleceram como importantes ativistas da cultura indígena, o que em grande medida ia de encontro aos interesses políticos do movimento. Acompanhar a trajetória de Orlando, Cláudio e Leonardo (Felipe Camargo, João Miguel e Caio Blat, excelentes) conforme descobrem novos povos e veem a necessidade de mantê-los isolados e preservados não raro emociona, e o diretor Cao Hamburger (de O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias) sabe como explorar esse fluxo de sentimentos para aproximar espectador e personagem: numa cena de primeiro contato, por exemplo, a câmera transita rápida e confusa entre os rostos dos índios, emulando na plateia o incômodo e a novidade que Cláudio experimenta ao se ver rodeado por essas novas pessoas. Mas praticamente toda cena de Xingu guarda um deslumbre com o ambiente, seus protagonistas e quem estes tentam proteger — no que a fotografia destaca a beleza do Centro-Oeste inexplorado (e que aos poucos vai cedendo lugar a máquinas, estradas, pontos de pouso); no que é fácil identificar nos irmãos figuras heroicas; e no que as tribos indígenas, com sua cultura, exalam uma riqueza na iminência de extinção. Daí, é um convite à reflexão: quanto o progresso pode tirar, se pode, daqueles que já usavam a terra muitos anos antes de o colonizador (ou, aqui, o colonizado-colonizador) aparecer? A luta dos Villas-Bôas resultou na formação do Parque Nacional do Xingu, hoje Parque Indígena do Xingu, uma das maiores reservas do gênero no mundo; e o filme de Hamburger, com produção de Fernando Meirelles, com grande sorte consegue fazer jus a essa história.

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Em Um Conto Chinês (Un Cuento Chino, Argentina/Espanha, 2011), Roberto (Ricardo Darín, nome mais expressivo do Cinema argentino atual) é um vendedor carrancudo de Buenos Aires que gere uma modesta loja de ferragens. De difícil relacionamento, retrai-se a investidas femininas, não tem muito tato com os clientes e mantém um certo desprezo pelo que vem de fora. Que em seu caminho apareça um jovem e desolado chinês buscando pelo tio na capital argentina é o de que menos se esperaria alguma forma de convivência. Mas, afinal, Roberto o acolhe e tenta ajudá-lo, tendo ainda a barreira linguística com que lidar. O que permite ao diretor Sebastián Borensztein extrair vários momentos de um humor leve e simples, que dividem a disposição emocional da narrativa com outros mais dramáticos, mas igualmente bem arranjados. Se não havia nada que pudesse ligar pessoas tão diferentes, é numa cena excepcional que Borensztein mostra que o ocasional, mesmo absurdo (e inspirado num incidente real, como os créditos finais mostram), pode ser capaz de transformar algumas vidas.

Espelho, Espelho Meu (Mirror Mirror, Estados Unidos, 2012) faz uma releitura do clássico conto de Branca de Neve, adaptando acontecimentos e reservando à Rainha (Julia Roberts) significativa importância — "Essa é a minha história.", diz ela logo no início. Mesmo sem maiores pretensões, esse novo trabalho do diretor indiano Tarsem Singh (do recente Imortais) sequer se mantém equilibrado e coerente em sua duração. Se boa parte das piadas são inofensivas, e Roberts (se) diverte com suas falas cheias de sarcasmo e menosprezo, é flagrante que, no terço final, o filme pareça perder a noção de qualquer limite, e se entregue ao constrangimento quase ofensivo (é fácil identificar: tudo começa a desandar quando um personagem é enfeitiçado). Quando se tem algo que já no extremo das expectativas não poderia ser muito mais que agradável, se qualquer oportunidade de fazê-lo é assim desperdiçada, o que resta é muito pouco. E frustrante.
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